Com Getúlio Vargas assumindo a Presidência da República após
a Revolução de 1930, o país passou por um amplo contexto de reformas
modernizadoras. Os governadores estaduais foram substituídos por Interventores
e as antigas Intendências que administravam as vilas e cidades foram extintas.
O Poder administrativo municipal sofreu fortes mudanças: o Executivo e o
Legislativo foram separados deixando de coexistir na mesma instituição. O
Conselho de Intendência Municipal deu lugar a uma Câmara Municipal de Vereadores
e a uma Prefeitura (LEAL, 1993).
Na Vila de Santo Antônio, o antigo edifício da Intendência
não sofreu mudanças. As novas instituições, a Prefeitura e a Câmara Municipais,
passaram a funcionar no antigo prédio. Aqueles que eram Intendentes passaram a exercer
cargos de prefeito e de vereadores. Além dos nomes das instituições, nada mudou
muito. Uma mudança de fachada, como diz o ditado popular.
Entretanto, as residências da população brasileira pareciam adotar
uma mudança. Algo novo surgia nas fachadas das casas. As cores mais claras e
tons suaves, como o branco, o azul, o creme e o rosa passaram a colorir a
paisagem urbana nas fachadas menos rebuscadas. O estilo Eclético, marcado pelo
excesso de adornos e floreios deu lugar a listras, faixas e frisos. As linhas
retas passaram a ser um padrão que todos gostariam de ter em suas residências,
como podemos ver na imagem 1, Residências na rua Padre Cerveira.
Imagem
1: Residências na rua Padre Cerveira. Fonte: o Autor, 2023.
Nesse contexto de mudanças políticas nacionais, entre os
anos de 1930 e 1935, o maior edifício da Vila de Santo Antônio foi inaugurado.
O Mercado Público Municipal estreava uma “nova política” urbana e abria caminho
para a modernização da sociedade. O concreto armado foi usado pela primeira vez
na cidade e a fachada do novo centro comercial público se erguia imponente com
suas faixas e frisos, como pode ser visto na imagem 2, o Mercado Público. Anunciava-se, assim,
uma nova moda em Santo Antônio: o Art Déco.
Imagem 2: O Mercado Público. Fonte: o Autor, 2023 |
Hoje, essa arquitetura não é mais usada e muito menos temos
a preocupação de conservar os edifícios que ainda resistem ao tempo e que
carregam as ruínas do estilo francês, moda internacional no século XX. Entretanto, ao
observamos um prédio em Art Déco, ele nos remete a uma tática de como as
classes sociais agiram para parecerem modernas, imitando os edifícios das
grandes cidades. A partir deles podemos perceber como as classes econômicas
médias e baixas imitaram, copiaram e adaptaram os edifícios das classes
econômicas abastadas, que tinham acesso aos profissionais e aos novos materiais
de construção, como o concreto armado (BARTHEL, 2015).
Na Vila de Santo Antônio, a partir dos anos 1930, muitas das
residências novas, construídas nas ruas paralelas e perpendiculares à Rua
Grande foram adornadas com as faixas, os frisos, as linhas verticais, a
platibanda escalonada e com a pestana em concreto, como podemos observar na
imagem 3. Esses adornos se transformaram na maquiagem da modernidade (FARIAS,
2018).
Navios transatlânticos, revistas especializadas em moda e o cinema deram cabo de espalhar pelo mundo o novo conceito de arte, de arquitetura, de moda, de estilo: o Art Déco passou a ser cobiçado por todas as classes sociais. Nas grandes cidades, os imensos edifícios foram construídos arranhando os céus das metrópoles (FARIAS, 2018). Nas cidades pequenas, os comerciantes que viajavam aos grandes centros voltavam com a novidade. Intercambiavam-se os saberes.
Novas casas de comércio passaram a ser construídas em alvenaria estrutural e viraram moda. O desejo de mudança e o anseio pelo moderno contagiaram também as residências. Casas eram reformadas ou construídas com as platibandas altas, simétricas, adornadas com ornamentos geométricos entraram no gosto da população, transformando-se hoje em uma evidência de desejo de mudança, de novo, de moderno que atingiu as diferentes camadas sociais no século XX (BARTHEL, 2015), como podemos ver na imagem 4, Casarão Estelo Fontoura e na imagem 5, Casarão Antônio Maia.
Imagem 4: Casarão Estelo Fontoura. Fonte: o Autor, 2023. |
Imagem 7: Armazém Mandú. Fonte: o Autor, 2023. |
Atualmente, diversas residências de Santo Antônio ainda apresentam elementos decorativos em suas fachadas remanescentes da influência do Art Déco como cubos, prismas, losangos, círculos, retângulos, elipses, destacados por cores diferentes de pintura nas paredes, como na imagem 8, Platibanda com faixas sobrepostas, retângulos e frisos, e na imagem 9. A decoração em Art Déco resiste! É um sinal da identidade local, que é e foi ao mesmo tempo uma forma de resistência, um saber-fazer e um diálogo através do contato, como a moda, evidenciando a inventividade e a criatividade das pessoas (CERTEAU, 1998).
Imagem 9: Platibanda com Triângulos, Platibanda com Prismas e Platibanda Escalonada. Fonte: o Autor, 2023. |
Ao observar a influência do estilo Art Déco na arquitetura de Santo Antônio, percebemos não apenas um movimento estético, mas também um reflexo das transformações sociais e econômicas da época. Embora essas construções não sejam mais amplamente utilizadas e muitos edifícios tenham sido perdidos ao longo do tempo, eles ainda carregam a história e a identidade local. As residências e edifícios adornados com elementos geométricos e cores vibrantes são testemunhos do desejo de modernidade e da capacidade das diferentes camadas sociais de se adaptarem às tendências arquitetônicas e às transformações sociais, econômicas e culturais ocorridas no Globo.
O Art Déco em Santo Antônio do Salto da Onça é mais do que uma mera expressão estética, é um símbolo de resistência e um diálogo entre as classes sociais, entre as diferentes cidades. As influências provenientes de navios transatlânticos, revistas especializadas em moda, o cinema e a Ditadura Varguista disseminaram um novo conceito de arte, arquitetura e estilo que foi desejado, imitado e replicado por todas as classes sociais. Esse movimento transformou não apenas a paisagem urbana, mas também a forma como as pessoas buscavam expressar sua identidade e inserir-se em um contexto de modernidade.
OBS.: ao ler este artigo, você pode sentir falta de mais fontes para certificarem a pesquisa que embasa a escrita, entretanto, por se tratar de um recorte de uma pesquisa de mestrado, no momento, o autor não pode divulgar as fontes com mais detalhes devido o ineditismo da pesquisa.
BARTHEL, Stela Gláucia Alves. Vestígios do Art Déco na
cidade do Recife (1919-1961): abordagem arqueológica de um estilo
arquitetônico. Orientador: Prof.ª Dr.ª Ana Catarina P. T. Ramos. 2015. 342 f.
Tese (doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Arqueologia, CFCH, Universidade
Federal de Pernambuco, Recife, 2015.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer.
3 ed. Petrópolis: Vozes, 1998.
FARIAS, Fernanda de Castro. As expressões da modernidade no Brasil: o lugar da arquitetura associada ao termo art déco. Orientadora: Profª. Drª. Nelci Tinem. 2018. 277 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, PPGAU, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2018.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município
e o regime representativo no Brasil, 6ed, São Paulo: Alfa-Ômega, 1993.
Esporte Manoel Dantas. Álbum de
Fotos. Santo Antônio, RN, 26 set. 2022. Facebook: Manoel Dantas futebol e
entretenimento. Disponível em: https://www.facebook.com/esportemanoeldantas/photos.
Acesso em: 18 jul. 2023.
PEREIRA FILHO, Antônio de Moura. Análise do Art Nouveau no
Estado de Pernambuco (1870–1939). Orientador: do Prof. Dr. Paulo Martin Souto
Maior. 2007. 238 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em
Arqueologia, CFCH, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007.
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