sexta-feira, 16 de junho de 2023

OPULÊNCIA E FÉ NO SALTO DA ONÇA: a festividade e os sacrifícios por trás da construção da Igreja Matriz


 

Igreja Matriz, Santo Antônio/RN. Fonte: Blog Santo Antônio Oficial [S.d.]. 

Erguida como símbolo de poder e opulência durante a primeira metade do século XIX, a igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Santo Antônio, em terras do Rio Grande do Norte, ergue-se majestosa e imponente, vislumbrada a quilômetros de distância. Por longos 40 anos, os habitantes de Santo Antônio dedicaram-se com fervor à sua construção. A obra consumiu fortunas, doações generosas dos fazendeiros abastados, e absorveu o labor voluntário da gente humilde, que diariamente descia e subia a íngreme ribanceira do rio Jacu, levando tijolos e areia sobre a cabeça, em carroças de burro e carro de boi.

Nas margens do rio Jacu, fervilhavam as olarias, de onde provinham os tijolos que os devotos da Virgem da Conceição carregavam em suas cabeças, em troca de graças alcançadas, pagando com suor e esforço o sagrado tributo. A igreja, por quatro décadas, transformou-se em um verdadeiro canteiro de obras. Registros escassos nas páginas amareladas do Livro de Tombo (ARQUIDIOCESE, 1915) dão-nos vislumbres das missas celebradas em seus alicerces. Relatos e descrições da construção são agora resgatados através das palavras dos idosos, como D. Maria José (Dona Mocinha), que com seus 70 anos, e o falecido José Aurélio, compartilharam suas lembranças.

Parte das doações que sustentaram a longa jornada de construção eram arrecadadas durante as festividades em honra à padroeira. Os fiéis se reuniam em procissões solenes e missas fervorosas, contribuindo com suas oferendas em dinheiro, pedras, tijolos ou cal. Cada um colaborava conforme suas possibilidades. No entanto, o que chamava atenção nas narrativas eram as doações de gado e galinhas para os leilões festivos. Durante as noites iluminadas de novembro a dezembro, a Rua Grande ganhava vida, adornada com barracas que ofereciam bolos, caldos, bebidas e galinha torrada, todas resplandecendo sob as luzes (CORTEZ, 1987).

Os políticos da época, oriundos das famílias consideradas tradicionais, tais como Barbalhos, Azevedo, Mendes, Maia e Vidal, disputavam galinhas a preços exorbitantes. Em uma entrevista concedida, José Aurélio recordava que havia galinhas leiloadas pelo valor de uma casa, e o dinheiro obtido era utilizado para a contratação dos serviços eclesiásticos.

Cortez (1987) afirma que as festividades eram exuberantes. As damas desfilavam em seus vestidos requintados, os homens trajavam ternos e gravatas. Enquanto os abastados desfrutavam de banquetes às luzes nas calçadas, os mais humildes observavam à distância, contemplando aquele espetáculo noturno.

 

Rua Grande, Santo Antônio/RN. Fonte Blog Santo Antônio Oficial [S.d.]. [Coloria por Vyctor Nogueira, jun. 2023]

A elite algodoeira, ciente de sua importância e riqueza, oferecia generosos donativos para a construção do templo. Nomes como Aníbal Barbalho, Lindolfo Gomes Vidal e Rodophiano de Azevedo estavam entre aqueles que mais contribuíam. O Livro de Tombo guarda linhas de agradecimento e reconhecimento dos padres às ilustres personalidades que tanto colaboraram com suas doações, como é o caso de Rodophiano de Azevedo que na década de 1940 doou à Paróquia as imagens de Santa Filomena, Santa Luzia e Santa Inês, tendo doado verbas para a construção do altar também (ARQUIDIOCESE, 1915).


Igreja Matriz de Santo Antônio/RN. Fonte: Vyctor Nogueira, 2023


Mas foi em 1911 que o vigário Paulino Duarte, de Nova Cruz, quem deu início às obras de construção da matriz. Nessa época, o que existia na Vila de Santo Antônio era uma igreja velha, situada no meio da Rua Grande (ARQUIDIOCESE, 1915), nas proximidades de onde hoje é o Supermercado Santo Antônio. Aquela igreja antiga, desmoronando e “pouco higiênica”, já não comportava a crescente população da Vila. Não havia lugar para uma igreja em ruínas no centro de uma localidade que ostentava mansões com fachadas altas, adornadas e imponentes.

O local escolhido para uma nova igreja matriz revelou-se perfeito. No topo de uma ladeira íngreme, quase uma colina, defronte ao edifício mais imponente da região: a Intendência. Ali, Igreja e Intendência, elevadas na colina, observavam a vila que se estendia logo abaixo. Nessas duas construções, padres e intendentes regulavam a vida dos habitantes e paroquianos, impondo suas diretrizes sobre a comunidade (NOGUEIRA, 2022).

Procissão católica entre a Intendência e a Igreja. Fonte Blog Santo Antônio Oficial [S.d]. 



A igreja velha foi demolida para dar espaço à Rua que se formava (SOUZA, 1984). Era a igreja que Ana Joaquina de Pontes havia construído e sua demolição ocorreu nos anos 1920 (CORTEZ, 1987). 

Do alto da torre da matriz, um mundo sem fim se desvela, girando ao redor da igreja que o governava. Mãos humanas moldaram esse magnânimo templo, desprovido de engenheiro e arquiteto, mas guiado por um mestre de obras: o Mestre Viana. Contam que ele foi o maior e mais respeitado pedreiro que já caminhou pela Terra da Onça. No Livro de Tombo (1915), também encontramos algumas linhas de agradecimento dedicadas a ele. Sua obra, duradoura e impactante, ainda hoje nos revela a riqueza do passado, o estilo de vida de uma época que já se foi. Estudando o livro Paróquias potiguares: uma história, do padre Normando Pignataro Delgado (2015), nenhuma outra igreja na região se assemelha à Matriz de Santo Antônio, seja em altura, tamanho, opulência ou riqueza de detalhes.

É urgente, então, que prestemos mais atenção ao patrimônio arquitetônico e urbanístico que nos cerca, preservando-o com o devido zelo. Pois, em meio à correria do mundo moderno, esquecemo-nos de olhar com reverência para as grandiosas obras do passado, símbolos de uma história que se mescla à nossa própria identidade. Ao cuidar dessas construções majestosas, perpetuamos a beleza e a herança cultural que nos foram legadas, concedendo às gerações vindouras a oportunidade de apreciar a magnificência e a poesia que se escondem nas pedras e nas linhas arquitetônicas. Que possamos ser os guardiões dessa história, protegendo esses tesouros para que eles continuem a inspirar e encantar as mentes e os corações de todos aqueles que têm o privilégio de admirá-los.

 

 

Igreja Matriz, Santo Antônio/RN. Fonte Blog Santo Antônio Oficial [S.d]. 


Igreja Matriz, Santo Antônio/RN. Fonte Blog Santo Antônio Oficial [S.d]. 



Igreja Matriz de Santo Antônio/RN. Fonte: Vyctor Nogueira, 2023

PARA REFERENCIAR ESTE ARTIGO:

NOGUEIRA, Vyctor. Opulência e Fé no Salto da Onça: a festividade e os sacrifícios por trás da construção da Igreja Matriz. SALTO DA ONÇA: Memória e Patrimônio. 16 jun. 2023. Santo Antônio/RN. Disponível em: https://saltodaoncamemoriaepatrimonio.blogspot.com/2023/06/opulencia-e-fe-no-salto-da-onca.html. Acesso em: dd mes. ano.  

REFERÊNCIAS: 

ARQUIDIOCESE do Natal. Paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Vila de Santo Antônio. Livro de Tombo. 1915. Localizado em: Arquivo Metropolitano da Arquidiocese do Natal, Natal/RN. [Fotografia do Manuscrito].

CORTEZ, João Batista. O ontem e o hoje no Salto da Onça: a reconstrução do trabalho quando no tempo livre. 216 f. Dissertação. (Mestrado em Antropologia Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas/SP, 1987.

DELGADO, Normando Pignataro. Paróquias potiguares: uma história. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2015.

NOGUEIRA, Vyctor J. S. Uma rua, uma feira, uma igreja e uma Intendência nas Terras de Nossa Senhora no Salto da Onça: o fazer-se do município de Santo Antônio/RN (1890-1930). 2022. 15 f. Projeto de Pesquisa em Mestrado – PPGHCE, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2022. 

 

Sugestões de leitura:

ORRICO, Maria Goreth. Santo Antônio: cidade que conquista. Natal/RN: Offset Gráfica e Editora, 2002.

MONTEIRO, Helena. Santo Antônio, a princesa do agreste potiguar. In. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do RN. v. 97 (Abril/Maio/Junho de 2018). 277 p.: il. Offset Gráfica. Natal: IHGRN, 2018. p. 238-241.

PESSOA, Gélson Luiz. Salto da Onça: de vila a cidade. Fortaleza/CE: Editora IMEPH, 2014.

 

Para mais fotos antigas de Santo Antônio:

BENTO, Claudianor D. Fotos antigas de Santo Antonio/RN. Blog Santo Antônio Oficial. Santo Antônio/RN, [S. d]. Disponível em: https://santoantoniooficial.blogspot.com/p/fotos-antigas-de-santo-antoniorn.html.  Acesso em: 16 jun. 2023.

PONTES, Alex. Santo Antonio/RN: fotos antigas de nossa querida terra da onça!!!!. Blog Do Alex Pontes. Santo Antônio/RN, 25 jul. 2012. Disponível em: https://alexpontesrn.blogspot.com/2012/07/santo-antoniorn-fotos-antigas-de-nossa.html. Acesso em: 16 jun. 2023.

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