terça-feira, 18 de julho de 2023

ENTRE INSTITUIÇÕES E FACHADAS: a metamorfose arquitetônica em art déco de Santo Antônio do Salto da Onça/RN



Com Getúlio Vargas assumindo a Presidência da República após a Revolução de 1930, o país passou por um amplo contexto de reformas modernizadoras. Os governadores estaduais foram substituídos por Interventores e as antigas Intendências que administravam as vilas e cidades foram extintas. O Poder administrativo municipal sofreu fortes mudanças: o Executivo e o Legislativo foram separados deixando de coexistir na mesma instituição. O Conselho de Intendência Municipal deu lugar a uma Câmara Municipal de Vereadores e a uma Prefeitura (LEAL, 1993).

Na Vila de Santo Antônio, o antigo edifício da Intendência não sofreu mudanças. As novas instituições, a Prefeitura e a Câmara Municipais, passaram a funcionar no antigo prédio. Aqueles que eram Intendentes passaram a exercer cargos de prefeito e de vereadores. Além dos nomes das instituições, nada mudou muito. Uma mudança de fachada, como diz o ditado popular.  

Entretanto, as residências da população brasileira pareciam adotar uma mudança. Algo novo surgia nas fachadas das casas. As cores mais claras e tons suaves, como o branco, o azul, o creme e o rosa passaram a colorir a paisagem urbana nas fachadas menos rebuscadas. O estilo Eclético, marcado pelo excesso de adornos e floreios deu lugar a listras, faixas e frisos. As linhas retas passaram a ser um padrão que todos gostariam de ter em suas residências, como podemos ver na imagem 1, Residências na rua Padre Cerveira.


Imagem 1: Residências na rua Padre Cerveira. Fonte: o Autor, 2023.



Nesse contexto de mudanças políticas nacionais, entre os anos de 1930 e 1935, o maior edifício da Vila de Santo Antônio foi inaugurado. O Mercado Público Municipal estreava uma “nova política” urbana e abria caminho para a modernização da sociedade. O concreto armado foi usado pela primeira vez na cidade e a fachada do novo centro comercial público se erguia imponente com suas faixas e frisos, como pode ser visto na imagem 2, o Mercado Público. Anunciava-se, assim, uma nova moda em Santo Antônio: o Art Déco.


Imagem 2: O Mercado Público. Fonte: o Autor, 2023



Hoje, essa arquitetura não é mais usada e muito menos temos a preocupação de conservar os edifícios que ainda resistem ao tempo e que carregam as ruínas do estilo francês, moda internacional no século XX. Entretanto, ao observamos um prédio em Art Déco, ele nos remete a uma tática de como as classes sociais agiram para parecerem modernas, imitando os edifícios das grandes cidades. A partir deles podemos perceber como as classes econômicas médias e baixas imitaram, copiaram e adaptaram os edifícios das classes econômicas abastadas, que tinham acesso aos profissionais e aos novos materiais de construção, como o concreto armado (BARTHEL, 2015).

Na Vila de Santo Antônio, a partir dos anos 1930, muitas das residências novas, construídas nas ruas paralelas e perpendiculares à Rua Grande foram adornadas com as faixas, os frisos, as linhas verticais, a platibanda escalonada e com a pestana em concreto, como podemos observar na imagem 3. Esses adornos se transformaram na maquiagem da modernidade (FARIAS, 2018).


Imagem 3: Casarão da Rua Quintino Bocaiúva. Fonte: o Autor, 2023


Navios transatlânticos, revistas especializadas em moda e o cinema deram cabo de espalhar pelo mundo o novo conceito de arte, de arquitetura, de moda, de estilo: o Art Déco passou a ser cobiçado por todas as classes sociais. Nas grandes cidades, os imensos edifícios foram construídos arranhando os céus das metrópoles (FARIAS, 2018). Nas cidades pequenas, os comerciantes que viajavam aos grandes centros voltavam com a novidade. Intercambiavam-se os saberes.

Novas casas de comércio passaram a ser construídas em alvenaria estrutural e viraram moda. O desejo de mudança e o anseio pelo moderno contagiaram também as residências. Casas eram reformadas ou construídas com as platibandas altas, simétricas, adornadas com ornamentos geométricos entraram no gosto da população, transformando-se hoje em uma evidência de desejo de mudança, de novo, de moderno que atingiu as diferentes camadas sociais no século XX (BARTHEL, 2015), como podemos ver na imagem 4, Casarão Estelo Fontoura e na imagem 5, Casarão Antônio Maia.



Imagem 4: Casarão Estelo Fontoura. Fonte: o Autor, 2023.


Imagem 5: Casarão Antônio Maia. Fonte: o Autor, 2023.


Os governos estaduais e o governo federal do regime varguista passaram a incentivar a nova moda, o moderno, o Art Déco. Os bancos públicos foram construídos no novo estilo, bem como os Correios, os grupos escolares, hospitais, cinemas, estádios de futebol, ginásios, praças e diversos outros equipamentos públicos (BARTHEL, 2015). É nesse contexto que Santo Antônio deixa de ser Vila e é transformado em Cidade, pois o governo de Vargas entendia que nenhum município brasileiro poderia ser sediado por uma vila. Tudo indica que essa mudança de condição em nada mudou no contexto social. A Vila deixou de se chamar Vila e passou a ser chamada de Cidade. A nova de Cidade não deixou de ser uma vila e mais uma vez, a mudança foi de fachada. 

Em Santo Antônio, além do Mercado Público, alguns outros edifícios portam as marcas dessa modernização, como o Grupo Escolar Dr. Manoel Dantas, observável na imagem 6, inaugurado em 1929, e os armazéns de algodão espalhados pelas periferias da Vila e pelos interiores rurais. O armazém da família Mandú, na Rua Padre Cerveira, é um ótimo exemplo do estilo Art Déco, com sua platibanda adornada de elementos geométricos e sua marquise em concreto armado, como podemos visualizar na imagem 7, Armazém Mandú.



Imagem 6: Grupo Escolar Dr. Manoel Dantas. Fonte: Facebook, 2023.


Imagem 7: Armazém Mandú. Fonte: o Autor, 2023.

Atualmente, diversas residências de Santo Antônio ainda apresentam elementos decorativos em suas fachadas remanescentes da influência do Art Déco como cubos, prismas, losangos, círculos, retângulos, elipses, destacados por cores diferentes de pintura nas paredes, como na imagem 8, Platibanda com faixas sobrepostas, retângulos e frisos, e na imagem 9. A decoração em Art Déco resiste! É um sinal da identidade local, que é e foi ao mesmo tempo uma forma de resistência, um saber-fazer e um diálogo através do contato, como a moda, evidenciando a inventividade e a criatividade das pessoas (CERTEAU, 1998).


Imagem 8: Platibanda com faixas sobrepostas, retângulos e frisos. Fonte: o Autor, 2023 


Imagem 9: Platibanda com Triângulos, Platibanda com Prismas e Platibanda Escalonada. Fonte: o Autor, 2023.



Ao observar a influência do estilo Art Déco na arquitetura de Santo Antônio, percebemos não apenas um movimento estético, mas também um reflexo das transformações sociais e econômicas da época. Embora essas construções não sejam mais amplamente utilizadas e muitos edifícios tenham sido perdidos ao longo do tempo, eles ainda carregam a história e a identidade local. As residências e edifícios adornados com elementos geométricos e cores vibrantes são testemunhos do desejo de modernidade e da capacidade das diferentes camadas sociais de se adaptarem às tendências arquitetônicas e às transformações sociais, econômicas e culturais ocorridas no Globo.

O Art Déco em Santo Antônio do Salto da Onça é mais do que uma mera expressão estética, é um símbolo de resistência e um diálogo entre as classes sociais, entre as diferentes cidades. As influências provenientes de navios transatlânticos, revistas especializadas em moda, o cinema e a Ditadura Varguista disseminaram um novo conceito de arte, arquitetura e estilo que foi desejado, imitado e replicado por todas as classes sociais. Esse movimento transformou não apenas a paisagem urbana, mas também a forma como as pessoas buscavam expressar sua identidade e inserir-se em um contexto de modernidade.


 

OBS.: ao ler este artigo, você pode sentir falta de mais fontes para certificarem a pesquisa que embasa a escrita, entretanto, por se tratar de um recorte de uma pesquisa de mestrado, no momento, o autor não pode divulgar as fontes com mais detalhes devido o ineditismo da pesquisa.

 


PARA REFERENCIAR ESTE ARTIGO:


NOGUEIRA, Vyctor. Entre instituições e fachadas: a metamorfose arquitetônica em Art Déco de Santo Antônio do Salto da Onça. In. Salto da Onça: Memória e Patrimônio. Disponível em: https://saltodaoncamemoriaepatrimonio.blogspot.com/2023/07/entre-instituicoes-e-fachadas.html Acesso em: dia mes. ano. 


  
REFERÊNCIAS: 

BARTHEL, Stela Gláucia Alves. Vestígios do Art Déco na cidade do Recife (1919-1961): abordagem arqueológica de um estilo arquitetônico. Orientador: Prof.ª Dr.ª Ana Catarina P. T. Ramos. 2015. 342 f. Tese (doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Arqueologia, CFCH, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2015.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

FARIAS, Fernanda de Castro. As expressões da modernidade no Brasil: o lugar da arquitetura associada ao termo art déco. Orientadora: Profª. Drª. Nelci Tinem. 2018. 277 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, PPGAU, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2018.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil, 6ed, São Paulo: Alfa-Ômega, 1993.

Esporte Manoel Dantas. Álbum de Fotos. Santo Antônio, RN, 26 set. 2022. Facebook: Manoel Dantas futebol e entretenimento. Disponível em: https://www.facebook.com/esportemanoeldantas/photos. Acesso em: 18 jul. 2023. 

PEREIRA FILHO, Antônio de Moura. Análise do Art Nouveau no Estado de Pernambuco (1870–1939). Orientador: do Prof. Dr. Paulo Martin Souto Maior. 2007. 238 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Arqueologia, CFCH, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007.


 

domingo, 2 de julho de 2023

O SALTO DA ONÇA DE MUITOS BECOS: uma introdução à história de Santo Antônio/RN por meio de suas ruas



Estudar a história de Santo Antônio do Salto da Onça/RN requer o entendimento de que a economia local de base comercial e agropastoril, sobretudo algodoeira, exerceu grande influência no planejamento urbano e arquitetônico santo-antoniense.


Ao ser emancipada, em 1890, a Villa de Santo Antônio de Goyaninha, possuía uma única rua, a Rua Grande. Nela, aconteciam os eventos sociais públicos mais importantes como as vaquejadas anuais, as procissões em honra da padroeira Nossa Senhora da Conceição e a feira-livre semanal, realizada aos sábados desde os anos 1850. A emancipação política deu a Santo Antônio uma autonomia sem igual, um fator fundamental para seu crescimento progressivo e muito bem ordenado, pelo menos inicialmente, como pode ser demonstrado por meio das imagens 1 e 2. Apesar das imagens serem da década de 1970, elas podem nos demonstrar uma visão da Rua Grande movimentada, com seus casarios, casas comerciais e o delineamento urbano traçado no início do século XX.




Imagem 1: A Rua Grande, 197?. Fonte: Acervo Isabel Xavier.



Imagem 2: A Rua Grande, 1971. Fonte: Acervo Isabel Xavier.



Em 1909, a Intendência da Villa de Santo Antônio estabeleceu uma das primeiras legislações sanitaristas e urbanistas da região. Essa regulamentação definia, por exemplo, a altura mínima das casas, as dimensões das calçadas e das portas das residências e proibiam o despejo de esgotos para as ruas e becos.

Na década de 1910, o município contava com pouco mais de 10 mil habitantes. A produção de algodão, carne, cerrais, farinha e couro resultava em uma arrecadação de impostos que ultrapassava as cifras de milhares de Réis, em valores anuais. Durante os seus 20 primeiros anos de autonomia política, entre 1890 e 1910, a Rua Grande já tinha atingido seu primeiro quilômetro de comprimento e seus mais de 10 quarteirões eram cercados por becos e ruas que se estendiam conectando mais de 50 comunidades rurais, sítios, povoações e vilas circunvizinhas.


A Rua Grande chegou a possuir, durante essa época, lojas de secos e molhados, lojas de tecidos (comumente chamados de fazendas), mercearias, bens importados, e armazéns de utensílios agrários, somando em torno de 20 casas de comércio. As casas residenciais também faziam parte da estrutura quilométrica da Rua Grande. Dezenas de casas largas com janelas e portas altas dividiam espaço com os casarios modernos em estilo eclético e em, muitos deles eram cercados por jardins, umas verdadeiras chácaras muradas que davam o charme sem igual à Rua Grande, como podemos observar nas imagens 3 e 4, os casarios construídos durante as décadas de 1910-20 que ainda hoje sobrevivem.




Imagem 3: Casarão Cecílio Costa, 2023. Fonte: o autor.




Imagem 4: Casarão Aníbal Barbalho, 2023. Fonte: o autor.


Ainda no início do século XX, para acomodar o crescimento populacional, a Intendência planejou e traçou a Rua de Trás. Esse novo logradouro contava com calçadas medindo oito palmos de largura e sem degraus, uma obediência na legislação de 1909. Suas dezenas de edificações residenciais, principalmente para alugueis, foram feitas por comerciantes enriquecidos pelo algodão que moravam na Rua Grande.


Diversas moradias baixas, de paredes conjugadas eram construídas com tijolos crus e alguns mal cozidos. O adobe misturado à cal e pau a pique estavam entre as técnicas construtivas mais usadas; raramente se usava pedras. As coberturas dessas casas eram feitas de troncos de carnaúbas e caibros de estacas circulares, com telhas sem forma padrão, porém bem cozidas.


A Rua de Trás apresentava um contraste marcante em relação à Rua Grande. Enquanto a Rua Grande era habitada pela elite local em residências largas, de fachadas altas e cheias de janelas, a Rua de Trás era formada por casas baixas e de estruturas simples com uma porta e uma janela e pelos os quintais das casas da Rua Grande, sem muros, limitados por cercas de arames, cercas vivas de garrancheiras e cercas de varas alinhadas. Esses quintais possuíam pocilgas onde se criavam porcos, galinhas e algumas cabras, haviam pomares com cajueiros e laranjeiras. Os cavalos, meio de transporte mais comum entre a elite agrária e comercial, eram amarrados às cercas e alguns poucos quintais possuíam cocheiras cobertas para os cavalos serem alimentados.


A feira livre era o principal ponto de encontro dos munícipes, dos comerciantes distantes e de trabalhadores que ganhavam a vida em trabalhos pouco lucrativos e muito cansativos, como os transportadores de mercadorias. Aos sábados, o dia de feira, o comércio superlotava a Rua Grande, as bancas de madeira com tendas de lona eram raras de se ver, o mais comum era que os produtos fossem comercializados em tapetes de palha, chamados de esteira, estendidos pelo chão de barro.


Na Rua de Trás, ficavam os cavalos amarrados nas cercas, em ganchos, argolas e armadores presos às paredes das casas ou no meio-fio das calçadas, como podemos ver na imagem 5, uma argola centenária sobrevivente na Rua Padre Cerveira.



Imagem 5: Argola de ferro para cavalo, 2023. Fonte: o autor.




Entretanto, em fevereiro 1904, um crime muda a história da Villa de Santo Antônio para sempre. O padre José Luiz Cerveira, português de nascimento, homeopata, fazendeiro, dono de casas na Villa de Santo Antônio e de duas fazendas, uma no sítio Jacu-mirim e outra no sítio Lajes, era um importante membro da elite política local. Exerceu cargos de intendente e de presidente do Conselho de Intendência Municipal da Villa de Santo Antônio. Era membro do partido Republicano do Rio Grande do Norte, forte aliado da família Albuquerque Maranhão.


Quando Santo Antônio ainda era uma povoação de Goyaninha, o padre Cerveira se envolvia em fortes disputas políticas com coronéis políticos regionais. A notícia das facadas que levaram o padre à morte na sua Fazenda Lajes ultrapassou as fronteiras do Rio Grande do Norte, sendo divulgada até no Rio de Janeiro, então capital da República, como podemos visualizar nas imagens 6 e 7, cópias do Jornal do Comércio, publicado em 18 de abril de 1904, no Rio de Janeiro.



Imagem 6: Jornal do Comércio, 1904. Fonte: Hemeroteca Digital, 2023.



Imagem 7: Recorte do Jornal do Comércio, 1904. Fonte: Hemeroteca Digital, 2023.



Em sua homenagem, os intendentes da Villa de Santo Antônio mudaram nome da Rua de Trás, batizaram-na de Rua Padre Cerveira. O padre, homeopata, político e fazendeiro, foi imortalizado no nome da rua, e a rua transformada em um monumento em sua homenagem.

Entre os anos 1920 e 1930, o crescimento da Villa se direcionava para os lados. Os becos da Rua Grande e da Rua Padre Cerveira se expandiram em direção ao poente e ao nascente. Um novo centro comercial foi sendo organizado e ganhando forma em um terreno mais plano e mais largo do que a Rua Grande, onde foi construído, pouco antes de 1930, um mercado público. Esse edifício representou, durante muitos anos, o poder econômico que a fartura do ouro branco, isto é, o algodão, pode oferecer de melhor enquanto equipamento comercial aliado à vida urbana. A sua arquitetura em Art Déco, como pode ser observado na imagem 8, e sua estrutura semelhante à igreja matriz ainda em construção, impactou a vida social de Santo Antônio de tal forma que a colocou em um patamar econômico superior à todas vilas e municípios da região. Não existia mercado algum na região que se comparasse ao de Santo Antônio, em estrutura, qualidade de serviço e em capacidade de comercialização.



Imagem 8: O Mercado Público, 2023. Fonte: o autor.



Nessa nova rua que se formava, comerciantes construíam mais casarios adornados em Art Déco, com calçadas largas e fachadas cheias de portas para o fluxo de clientes. Não temos acesso à fotografias da época das primeiras casas comerciais da Rua do Mercado, mas as imagens 9 e 10 podem nos oferecer um recurso imaginativo de como eram as fachadas cheias de faixas e frisos, platibandas de escalonamentos, marca do Art Déco, e as várias portas que compunham o conjunto da edificação.




Imagem 9: Casa Comercial na Rua do Mercado, 2023. Fonte: o autor.



Imagem 10: Casa Comercial na Rua do Mercado, 2023. Fonte: o autor.



Ainda nos anos 1930, as vaquejadas perderam espaço na Rua Grande e foram transferidas para a Rua Padre Cerveira. Durante a década de 1930 e 1940, a feira-livre semanal foi transferida para o largo em torno do mercado e para trás da igreja que ainda estava sendo construída. A partir de 1940, uma praça foi erguida à frente do mercado e chamada de Praça Coronel José Lúcio, hoje conhecida como a Praça Getúlio Vargas.

Dois outros becos cresciam em direção ao poente e faziam a conexão entre as duas ruas e o cemitério novo, hoje chamado de Cemitério São Judas Tadeu. Hoje são as travessas Padre Andrade e Getúlio Vargas, como pode ser visto na imagem 11. O terceiro beco ligava a Villa de Santo Antônio, pela Rua Padre Cerveira ao povoado da Lagoa do Riacho, local onde hoje é o Hospital Regional Lindolfo Gomes Vidal. Esse beco terminava em conjunto de pedras de onde se formava um caminho cheio de pedregulhos, hoje é a Rua Marechal Floriano, mais conhecida por Rua da Pedra.




Imagem 11: Travessa Getúlio Vargas,2023. Fonte: o autor.



Outros becos ficavam um ao norte para as povoações de Serrinha e de Lagoa das Pedras, passando pelos sítios Tinguijado e Jacu-mirim; um beco para o sul em direção à Vila de Nova Cruz, passando pelo sítio Arapuá. Ao leste ficavam a saída para o Lugar da Passagem e para a Povoação do Brejinho e outro beco em direção à Vila de Goyaninha.


O crescimento desordenado de Santo Antônio é uma marca da segunda metade do século XX. Pois, é a partir dos anos 1950 que percebemos uma explosão populacional e a cidade não foi organizada nem pensada a fim de oferecer equipamentos urbanos e moradias em condições de qualidade para os novos habitantes. Bairros foram se formando em amontoados de casas, ruas sem planejamento, sem saneamento e sem políticas públicas que ofereçam muito conforto.


Porém, a Rua Grande durante os anos 1960 e 1970 parece ser uma exceção. Ela ganhou um complexo sistema de paisagismo e urbanismo a partir da implementação de canteiros centrais arborizados, bancos de marmorite vermelho, como pode ser visto na imagem 12, e uma praça com quadra de esportes e parque infantil, como podemos observar na imagem 13.




Imagem 12: Banco de Marmorite Vermelho dos anos 1960, 2023. Fonte: o autor.





Imagem 13: Praça da Rua Grande, 197?. Fonte: Blog Alex Pontes, 2023.


Alguns desses bancos duraram até o início do século XXI pois com algumas reformas urbanas eles foram realocados na Rua Marechal Floriano, onde foi fotografado o banco da imagem 12. Quanto a fotografia da praça, na imagem 13, tudo indica que foi retirada pela professora Ana Rosa Maia, mas foi retirada do Blog Alex Pontes, um importante meio de divulgação de história de Santo Antônio.

Outro equipamento urbano que nos chama atenção na imagem 13 é a grande quantidade de postes de iluminação pública por rede elétrica. Durante muitos anos, essa rede elétrica foi um símbolo de desenvolvimento e passou a ser ofertada em Santo Antônio a partir dos anos 1960.

Foi trazida à cidade junto com a rede de telefonia e com melhoramentos no sistema postal. Os postes de madeira de aroeira passaram a ser trocados por concreto armado apenas durante os fins da década de 1960, como podemos observar na imagem 14, uma fotografia colorida digitalmente, mas a cópia da fotografia original está disponível no Blog Alex Pontes e tudo indica que foi fotografada também pela professora Ana Rosa Maia.




Imagem 14: A Rua Grande, 196?. Fonte Blog Alex Pontes, 2023. Colorida Digitalmente.


A antiga rede elétrica do sistema de iluminação por motor a diesel foi em grande medida reutilizada pelo novo sistema elétrico. Porém, o antigo motor desapareceu sem deixar rastros, nem de sua origem nem de seu destino. Sabemos apenas que ele ficou por muito tempo na Rua Padre Cerveira e dessa rua saia a fiação que conduzia a energia elétrica às casas e às demais ruas. Por isso ela ainda é chamada de Rua do Motor.

Visitando atualmente a Rua Padre Cerveira, podemos identificar que as antigas casinhas do início do século XX não existem mais, restam apenas alguns poucos elementos das casas estreitas de uma porta e de uma janela, como podemos ver nas imagens 15 e 16. As casas de hoje podem ser novas com varandas de vidro, mas são construídas em propriedades estreitas, apresentam uma janela ao lado da porta.




Imagem 15: Casario de uma janela da Rua Padre Cerveira, 2023. Fonte: o autor.




Imagem 16: Casario de uma janela da Rua Padre Cerveira, 2023. Fonte: o autor.



Os antigos quintais de pomares e pocilgas da Rua Grande foram transformados em garagens, armazéns de algodão e depósitos sem vida, como podemos observar nas imagens 17, 18, 19 e 20. A partir dos anos 1960-1970 economia algodoeira entrou em decadência e atualmente a feira-livre está em declínio, impossibilitada de competir com os grandes supermercados.




Imagem 17: Garagem na Rua Padre Cerveira, 2023. Fonte: o autor.




Imagem 18: Antigo Casario na Rua Padre Cerveira, 2023. Fonte: o autor.




Imagem 19: Antigo armazém reformado na Rua Padre Cerveira, 2023. Fonte: o autor.




Imagem 20: Antigo Casarão na Rua Padre Cerveira, 2023. Fonte: o autor.



Das antigas construções que marcaram épocas, restam apenas ruinas que podem nos fazer lembrar que fazemos parte de algo maior. Ao percorrermos as ruas e becos de nossa cidade, sejamos influenciados a investigarmos o nosso passado, que tenhamos curiosidade sobre a história das casas e sejamos incentivados a produzirmos um maior respeito à nossa história.



Um agradecimento especial a Isabel Xavier pelas fotografias cedidas.
OBS.: ao ler este artigo, você pode sentir falta de mais fontes para certificarem a pesquisa que embasa a escrita, entretanto, por se tratar de um recorte de uma pesquisa de mestrado, no momento, o autor não pode divulgar as fontes com mais detalhes devido o ineditismo da pesquisa.


Para referenciar este artigo:
NOGUEIRA, Vyctor. O SALTO DA ONÇA DE MUITOS BECOS: uma introdução à história de Santo Antônio/RN por meio de suas ruas. In. Blog Salto da Onça: Memória e Patrimônio. Disponível em: https://saltodaoncamemoriaepatrimonio.blogspot.com/2023/07/o-salto-da-onca-de-muitos-becos-uma.html. Acesso em: dia mes. ano



REFERÊNCIAS:


PONTES, Alex. Santo Antonio/RN: fotos antigas de nossa querida terra da onça!!!!. Blog Do Alex Pontes. Santo Antônio/RN, 25 jul. 2012. Disponível em: https://alexpontesrn.blogspot.com/2012/07/santo-antoniorn-fotos-antigas-de-nossa.html. Acesso em: 16 jun. 2023.

segunda-feira, 26 de junho de 2023

MEMÓRIA PERDIDA DE UMA GERAÇÃO: uma curiosa e inesquecível gincana em Santo Antônio/RN nos anos 1970




Estamos construindo memórias coletivas significativas para as futuras gerações?


 

Hoje vamos falar de um evento que aqueles que têm menos de 40 anos não puderam vivenciar. Nos finais dos anos 1970 a cidade de Santo Antônio foi palco por um dia de uma das mais inusitadas e extravagantes competições entre os jovens estudantes do Grupo Dr. Manoel Dantas e a Escola Celso Garcia.

A Gincana entre essas duas escolas marcou a memória e a história local para além de uma geração, pois a cidade se mobilizou em prol dos alunos ensandecidos na disputa em busca dos itens apresentados em uma lista para lá de maluca.

Carros de taxistas eram fretados e percorriam as ruas, os sítios e as comunidades rurais no município de Santo Antônio/RN numa corrida desenfreada transportando as equipes de estudantes a fim de vasculharem todos os lugares do município em busca dos itens excêntricos para ganharem a pontuação e levarem o troféu para sua escola.

Além de responderem à perguntas das disciplinas escolares, como história, geografia, língua portuguesa e de encherem bexigas, fazia parte da competição que cada equipe apresentasse itens dispostos em uma lista entregue horas antes da Gincana. Pontuava a equipe que apresentasse itens como:

O homem mais velho e a mulher mais velha.

O livro mais antigo.

O maior bode.

A mulher com mais filhos.

O homem mais gordo e a mulher mais gorda.


A cidade fervilhava enquanto a juventude percorria as casas e as ruas em busca desses componentes para garantirem vitória na Gincana.

Ao final da tarde, havia a reunião de todos na praça. Pais, professores, amigos, curiosos, lotavam a Rua Grande para acompanharem a competição em meios aos aplausos e gritos de torcidas.

Depois dos jogos de perguntas e respostas, os jurados conferiam os documentos das crianças para comprovar serem todos irmãos e filhos da mesma mãe. Verificavam as alturas e as idades dos mais altos e dos mais velhos, respectivamente. Mediam os bodes e premiavam o maior.




Na memória coletiva dos nossos parentes e amigos mais velhos, restam umas ótimas lembranças daqueles que vivenciaram uma experiência única. Nós, os jovens da nossa geração e muitos adultos da geração dos nossos pais, jamais saberemos o nível de socialização que a cidade de Santo Antônio/RN possuía nos anos 1970.

Pelas conversas e entrevistas, dá para entender que o mundo era outro, todos se conheciam e as percepções de mundo e de competição estão muito distantes da nossa realidade.

Esse evento nos leva a refletir sobre a importância da memória e da história local. Através dessas histórias que são compartilhadas pelos mais velhos, podemos vislumbrar um passado em que as relações eram mais próximas e as interações sociais mais intensas. 

Quase não é possível imaginar uma cidade que fervilhava de vida, onde todos se conheciam e formavam uma rede de conexões que transcendia as barreiras das escolas, estendendo-se por toda a comunidade.

Essa competição, apesar de sua natureza divertida e inusitada, revela muito mais do que uma simples gincana entre escolas. Ela nos mostra um retrato de uma época em que as pessoas estavam mais envolvidas em sua comunidade, conheciam seus vizinhos e se importavam em ajudar uns aos outros. 

Essa memória coletiva é um tesouro que nos conecta com o passado e nos faz refletir sobre a importância de preservar as histórias e tradições locais.

À medida que o tempo passa e as gerações se renovam, é fácil se distanciar dessa memória coletiva e das experiências que moldaram a identidade da cidade. No entanto, ao ouvir essas histórias e vermos fotografias que nos fazem refletir sobre o passado, podemos imaginar um pouco dessa essência perdida e compreender as raízes que nos conectam ao lugar em que vivemos.

A Gincana entre as escolas de Santo Antônio/RN nos fins anos 1970 foi um evento singular que deixou uma marca indelével na memória dos santo-antonienses. Ao relembrarmos essa história, somos convidados a refletirmos: estamos construindo memórias coletivas significativas para as futuras gerações, assim como a geração anterior?


Agradecimento especial à professora Ione Delgado pelas imagens cedidas .


Para referenciar este artigo:

NOGUEIRA, Vyctor. MEMÓRIA PERDIDA DE UMA GERAÇÃO: uma curiosa e inesquecível gincana em Santo Antônio/RN  nos anos 1970. BLOG SALTO DA ONÇA: Memória e Patrimônio. 26 jun. 2023. Disponível em: https://saltodaoncamemoriaepatrimonio.blogspot.com/2023/06/memoria-perdida-de-uma-geracao-uma.html. Acesso em: dia mes. ano.    

segunda-feira, 19 de junho de 2023

O CEMITÉRIO SÃO JUDAS TADEU E SUA RIQUEZA HISTÓRICA: uma descoberta do Passado de Santo Antônio/RN através dos túmulos




Esta postagem é um convite para exploramos a História de Santo Antônio do Salto da Onça/RN a partir do seu cemitério mais antigo ainda em funcionamento. A cada passo entre os túmulos do Cemitério São Judas Tadeu, somos convidados a embarcar em uma jornada fascinante pela história da cidade.

 


 

Todos nós sabemos que cemitério é o lugar de descanso eterno para os nossos mortos e assim, ele é um espaço onde os familiares e amigos dos falecidos podem visitar as sepulturas daqueles que deixaram saudade a fim de prestar homenagens. Porém, o cemitério não é apenas um local de sepultamento, de tristeza e saudade, ele também possui uma função social e cultural extremamente importante: ele reflete a história, a cultura e as tradições de toda uma comunidade.

Os cemitérios são valiosas fontes de informações históricas sobre a região em que estão localizados, podendo ser observados enquanto uma representação desse passado (LIMA, 1994; CARRASCO, 2009). Eles possuem fontes de informações como exemplo, dados sobre indivíduos enterrados, como seus nomes e suas datas de nascimento e de falecimento; eles revelam práticas funerárias, crenças religiosas, valores sociais e mudanças culturais ao longo do tempo; eles demonstram também as atitudes humanas diante da morte (ARIÈS, 2012).

A paisagem do cemitério pode revelar informações sobre a demografia do local, os estilos arquitetônicos, as arte funerária e alguns eventos históricos, como as epidemias, (MACHADO, 2017). Ao adentrarmos um cemitério, devemos observar cuidadosamente cada tipo de túmulo, desde as mais modestas lápides até os majestosos mausoléus, pois os túmulos, os jazigos, as catacumbas são documentos sintomáticos da cultura visual da sociedade, pois oferece possibilidades ilimitadas para entendermos a materialidade humana em tempos diferentes (CARVALHO, 2012, p. 39).

Isto é, os cemitérios apresentam as condições para a realização de estudos que embasam, dentre outros aspectos, elementos sociais, econômicos e culturais da nossa sociedade (CASTRO, 2008). Mas os estudos cemiteriais são um grande campo de estudos em construção tendo em vista o assunto ainda ser tratado com muita estranheza (CARRASCO, 2009, p. 48). Para estudar um cemitério, podem-se realizar atividades como catalogação de sepulturas, mapeamento da área, análise da arquitetura e arte funerária, pesquisa em arquivos históricos e entrevistas com a comunidade local (JÚNIOR, 2017; MACHADO, 2017).


O cemitério enquanto um monumento e um patrimônio cultural

 

Os monumentos são obras criadas com o objetivo de celebrar lembrar ou homenagear eventos, figuras e ideias que são consideradas importantes em uma sociedade. O cemitério pode ser considerado um tipo de monumento, pois contém os restos mortais das pessoas que fizeram parte da história da comunidade e muitas vezes é adornado com esculturas, epitáfios, fotografias e outros elementos artísticos que enaltecem a sua importância. Quanto ao valor histórico, considera-se que é nesses espaços que repousam os restos mortais de pessoas, ilustres ou não, que contribuíram de alguma forma para a história local e da humanidade (CARRASCO, 2009, p. 51).

Assim, como os cemitérios são espaços de carregados de história e memória (OSMAN, RIBEIRO, 2007, p. 12) onde estão enterrados os antepassados e personalidades da história local, eles podem se tornar monumentos, já que eles cumprem um papel de preservar a memória e o patrimônio cultural de uma comunidade (JÚNIOR, 2017).

A memória é um elemento fundamental para a formação da identidade de uma sociedade, pois permite que as gerações atuais entendam e se relacionem com o passado (CANDAU, 2011). O cemitério é um lugar onde essa memória pode ser preservada e transmitida às gerações futuras, pois ele guarda os vestígios daqueles que contribuíram para moldar a história de uma comunidade, como já dito.

O patrimônio cultural se refere ao conjunto de bens materiais e imateriais que são considerados importantes para uma sociedade em virtude de sua relevância histórica, artística, científica ou simbólica. O cemitério pode ser considerado um elemento integrante do Patrimônio cultural à medida que guarda elementos arquitetônicos, como esculturas, e o “valor artístico desses espaços está relacionado aos artefatos integrados à arquitetura tumular com função ornamental, pela sua riqueza de elaboração (CARRASCO,  2009, p. 50).

Quando um cemitério é reconhecido como um patrimônio histórico cultural significa que a sociedade o reconheceu enquanto um elemento importante para a preservação da história e memória da sua comunidade (NOGUEIRA, 2013; CARRASCO, 2009). Acreditamos que é fundamental que os cemitérios sejam conservados e mantidos em boas condições para que as futuras gerações possam conhecer os registros históricos que neles se encontram.

 

Uma História de Santo Antônio através de seus cemitérios


Os documentos de relatório de presidente de província, de governador de estado e os documentos da intendência indicam que a Vila de Santo Antônio de Goianinha até o inicio dos anos 1920 tinham três cemitérios. Hoje por meio do resgate dessa memória, sabemos que o mais antigo estava localizado ao lado da antiga igrejinha de Ana Joaquina de Pontes, nas proximidades de onde hoje se localiza o Grupo Escolar Dr. Manoel Dantas, no centro da cidade.

Até os anos 1850, havia a prática de sepultar pessoas dentro ou ao lado das igrejas católicas, o que garantiam simbolicamente a salvação do morto (TAVARES, 2015, p. 929). Com as políticas de higiene pública do Brasil imperial, essa prática passou a ser proibida. Passaram a construir cemitérios extramuros, isto é, fora da cidade, longe do núcleo urbano.

Entre os anos de 1855 e 1856, com o devastador número de vítimas da Cólera em Natal, fez-se necessário a construção de um cemitério para acomodar os corpos daqueles que faleceram por este mal, já que os locais de sepultamento existentes, como a Igreja Matriz e a de Nossa Senhora do Rosário, não estavam atendendo a demanda (CABRAL, 2006, p. 41, TAVERES, 2015, p. 936). O Cemitério do Alecrim, na capital da então província do Rio Grande do Norte é produto de uma epidemia de Cólera: um cemitério pensado para que nele se acomodasse a grande demanda de mortos e atendesse às normas sanitárias e higienistas da época.

Dessa forma, o segundo cemitério da Povoação de Santo Antônio foi construído ao lado do rio Jacú, na margem oposta de onde se formava a povoação, nas proximidades do caminho para a Serra da Serrinha, quando Santo Antônio ainda era uma povoação de Goianinha e esse cemitério funcionou e existiu até meados de 1920, juntamente com o primeiro cemitério (LAEMMERT, 1920).

A Povoação de Santo Antônio possuía uma estreita estrada de barro que a ligava a serra da Serrinha. Essa estrada cruzava o rio Jacú, passava pelas proximidades do “cemitério novo” e percorria as direções da serra e seu povoado, território da atual cidade de Serrinha (PESSOA, 2014). O “antigo cemitério” o lado da antiga capela passou a não receber os mortos da povoação, tendo em vista as determinações sanitárias. Por ter entrado em desuso, seu terreno foi reaproveitado para a construção do atual Grupo Escolar Dr. Manoel Dantas entre 1927 e 1929 (ORRICO, 2002; PESSOA, 2014) e a antiga capela que ficava no meio da Rua Grande foi demolida em 1924 (PESSOA, 2014).

O cemitério da beira do rio foi construído contra o vento para evitar as contaminações, as febres e os miasmas, atendendo as normas e o modelo que se implantava na capital da província, Natal (TAVARES, 2015). Os ventos passavam pelo rio Jacú, depois pelo cemitério e levava os ares putrefatos e fétidos para longe da povoação e sua população.

A comunidade da Povoação de Santo Antônio de Goianinha passou a usar o cemitério extramuros, distante centro habitacional da povoação, na outra margem do rio para sepultar seus mortos. Mas, entre os anos de 1870 e 1890, surgiu a demanda de se construir um cemitério mais próximo da Povoação, o terceiro cemitério.

A tradição oral de Santo Antônio aponta que houve uma cheia no rio Jacú no final do século XIX que destruiu o cemitério na margem do rio. Essa informação não parece ter sustentação na documentação analisada, pois não há registro de cheia em nenhum rio potiguar durante o fim do século, muito pelo contrário. O que se registra nesse período é uma das maiores secas da história do país. A necessidade de se construir um novo e maior cemitério foi uma necessidade prática que atendesse a uma demanda real dos vivos: a seca de 1877-9 e as epidemias.

Em todo o Rio Grande o Norte, estado de salubridade era precário, com “condições sanitárias irregulares que facilitavam a propagação de doenças infecciosas, como cólera-morbo, febre amarela e varíola” (LIMA, DIAS, MYRRHA, 2017, p. 514). A alta mortandade devido à seca e as epidemias que assolaram o estado do Rio Grande do Norte desestruturou toda a sociedade potiguar, semelhante ao que se registrava em províncias como o Ceará e Paraíba (DIAS, 2019). “Em 1877, a situação de calamidade associada à eclosão de epidemias como a varíola impulsionou um grande contingente das áreas mais afetadas do sertão para o litoral e agreste” (LIMA, DIAS, MYRRHA, 2017, p. 513).

 

A seca, as epidemias e o cemitério São Judas Tadeu de Santo Antônio

 

É nesse contexto de seca e epidemias que surge o cemitério que hoje conhecemos por São Judas Tadeu. Ele foi construído para atender uma demanda dos mortos da grande seca de 1877-9. Esse evento climático marcou, também, o surgimento de um novo sujeito coletivo na sociedade brasileira: os retirantes. Várias colônias agrícolas foram experimentadas para fixação dos retirantes em migração para não morrerem de fome e sede nas estradas a caminho das maiores vilas (FERRERA, DANTAS, 2001).

Depois da emancipação do município em 1890, os intendentes não contabilizaram nenhum investimento na construção de um cemitério, os gastos eram apenas com pequenas modificações, como a instalação de portões e muros (CONSELHO, 1890s).

O atual cemitério São Judas Tadeu não guarda seus jazigos originais que datem da sua fundação, em meados de 1880.  Ele já sofreu inúmeras modificações e reformas que destruíram suas características originais. Dos túmulos do século XIX, não restam nenhum com datação. Foram arrasadas em sucessivas reformas modernizadoras depois dos anos 1930 que envolveram demolições de mausoléus e jazigos, tendo as lápides sido retiradas e realocadas nas construções mais novas.

Analisando as inscrições tumulares, apenas um jazigo é datado de antes de 1930, como pode ser visto nas imagens 3, 4 e 5. Os demais estão datados de 1940 em diante, sobretudo a partir de 1950. O que nos leva a entender que há algum evento reformista entre as décadas de 1930 e 1940 que não considerou preservar o os antigos túmulos como parte de um patrimônio histórico e cultual.






Com exceção de algumas construções mais monumentais que apresentam uma configuração arquitetônica do início do século XX, na qual, muitas delas lembram uma igreja. Se os mortos não podiam ser sepultados em uma igreja,  os vivos construíam uma mini igreja para sepultar seus mortos. Esses túmulos possuem estruturas altas, geralmente em forma de torre, e são adornadas com ramagens, florais, faixas e frisos, elementos típicos de uma arquitetura eclética com traços de estilo neoclássico, como pode ser visto nas imagens abaixo.













Com o passar do tempo, vários outros modelos arquitetônicos foram sendo incorporados ao museu a céu aberto com 150 anos de história. O Art Déco, influente na arquitetura do casario santo-antoniense dos anos 1960 e 1970, também se faz presente em seu cemitério, produzindo uma semelhança entre a cidade dos vivos e dos mortos. Com túmulos cheios de linhas retas e expressões verticais, atribuindo um cunho moderno, simples e higiênico, como podemos ver nas imagens 16 a 19.









As práticas mais modernizadoras dos anos 1970 e início dos anos 1990 de reformas com cerâmicas higiênicas usadas em hospitais também se revelem importantes na paisagem cemiterial do São Judas Tadeu, como podemos ver nas imagens 20 a 23. E o final dos anos 1990 inaugura os azulejos em cores não usuais como na imagem 25. A partir dos anos 2000, o mármore e o granito tomam de conta da paisagem.










No meio dos jazigos, três monumentos resguardam personalidades distintas da história e da formação urbana de Santo Antônio. O jazigo impotente da Família Azevedo retratado nas imagens 26 e 27 possui sepultados personalidades que atuaram diretamente na construção de Santo Antônio, como Rodophiano Fernandes de Azevedo e Boanerges Azevedo, juntamente com seus parentes.







Outros personagens que a memória local se preocupou de manter lembrado são Epaminondas Mendes, imagem 28, e o Professor Alexandre Celso Garcia, imagem 29. O primeiro atuou durante anos como intendente e Presidente da Intendência (PESSOA, 2014) e o segundo atuou como professor e secretário da Intendência. A historiografia tratou de imortalizar os feitos desses personagens históricos e nossa tratou de imortaliza-los com esses monumentos.







Entretanto, demais fotografias de personagens desconhecidos surgem em meio aos túmulos. As imagens 30 a 37 são um tributo a elas. Através das suas fotografias podemos visualizar como se vestiam, e como as suas famílias se comportaram diante da sua morte.    




















Outra coisa que chama nossa atenção ao entramos no Cemitério São Judas Tadeu é a grande quantidade de crianças sepultadas em túmulos dispostos aleatoriamente preenchendo espaços vazios. Elas foram sepultadas sem nomes, sem datas e sem indicação de parentesco. Também não recebem visitas e parecem que já não são mais lembradas. As imagens 38 a 43 nos faz refletir sobre as altas taxas de mortalidade infantil que assolaram nosso país quando não tínhamos politicas públicas voltadas ao cuidado infantil. 









Por fim, as esculturas em forma anjos em um túmulo não datado nos faz recordar uma espécie de arquitetura eclética em que a gótica se mistura à Art Déco, produzindo um sentimento de proteção, calmaria e beleza serena. As imagens abaixo apresentam um monumento tumular em contraste com as demais produções da arte cemiterial. Ele é um demonstração de uma obra única na região. A singeleza de suas estatuetas angélicas entram em conflito com sua torre torre robusta, mas a obra surge unida num só corpo, magnânimo e belo, produzindo uma sensação de calmaria e impotência diante da única certeza nos aguarda no futuro.






     

Por fim, uma imagem da vista aérea pelo Google Maps pode denunciar uma desorganização, a falta de um planejamento, pois os túmulos estão dispostos a toda desordem, não seguindo um padrão. Entretanto, tendo em vista os dados regionais de mortandade do século XIX e primeira metade do século XX, não havia tempo para a preocupação em planejamento de covas, em medidas de profundidade, espaçamentos entre túmulos e ou disposição planejada: A mortandade era alta, em níveis imagináveis para hoje.


Cemitério, Preservação e a Resistência da memória de Ana Joaquina de Pontes:

 

A preservação dos espaços cemiteriais e de sua história é fundamental para a memória de uma comunidade e para a identidade de uma região. O cemitério deve ser visto como um lugar de interesse histórico e cultural que deve ser respeitado e cuidado para as futuras gerações (NOGEUIRA, 2013, p. 70). É importante que as comunidades valorizem seus cemitérios e promovam atividades, como políticas públicas de preservação, que possam destacar a importância desse patrimônio histórico.

Os antigos cemitérios de Santo Antônio foram apagados da memória coletiva da nossa comunidade. Pode-se dizer que eles estão vinculados a uma memória traumática que precisou ser silenciada?

Vejamos nas imagens 48 e 49 o único tumulo do segundo cemitério de Santo Antônio, situado as margens do rio Jacu, onde as tradições orais e a memória coletiva local afirmam ser o local onde  Ana Joaquina de Pontes, considerada a fundadora de Santo Antônio, está sepultada. 





A destruição de um túmulo de uma antiga fundadora de uma cidade tem um significado profundo e impactante. Ana Joaquina de Pontes, a fundadora de Santo Antônio, desempenha um papel histórico e simbólico fundamental, pois ela é uma figura de destaque na formação da identidade e da história da nossa comunidade. E seu túmulo ainda resiste em meio ao descaso a abandono, como na imagem 50.





Nós entendemos a destruição do túmulo de Ana Joaquina de Pontes como uma negação ou apagamento da história e da memória da fundadora daquilo que é hoje a nossa cidade. Isso é um desrespeito aos valores e às raízes culturais da nossa comunidade, e representa uma perda de conexão com as nossas origens e uma ruptura com a nossa história.

Além disso, nós interpretamos a destruição do túmulo de Ana Joaquina de Pontes como um ato de desvalorização e desconsideração pelos legados e contribuições dessa personagem histórica para a nossa cidade. A destruição de seu tumulo e a não manutenção do local, como denuncia a imagem 52, é uma forma de apagar a presença da fundadora de nossa cidade, apagar sua importância para nossa história, pois estamos jogando fora uma de reconhecer e valorizar o papel dessa mulher na construção e no desenvolvimento da nossa identidade local.





Essa destruição nos gera sentimentos de indignação, tristeza e até revolta na sociedade santo-antoniense, especialmente entre nós que valorizamos a preservação da história e da memória local.

 

Concluindo:


A importância de uma comunidade preservar seu cemitério é enorme. Pois ele é um símbolo da memória local. Preservá-lo é reconhecer a sua importância para a história de uma comunidade. Portanto, é uma forma de valorizar os seus antepassados manter viva a sua memória e fortalecer a sua identidade cultural.

Além disso, a preservação do cemitério também pode ter um valor turístico e educacional ao permitir que visitantes, turistas e estudantes conheçam a história e a cultura da comunidade por meio dos seus monumentos funerários, como um museu a céu aberto (NOGUEIRA, 2013, p. 120). A conservação, a manutenção e a limpeza das sepulturas e dos monumentos cemiteriais são essenciais para manter a viva a memória local, a nossa história e nossa identidade coletiva. Também é importante lembrar que o cemitério não é apenas um lugar de morte, saudade, e luto, é também, como apresenta a imagem 53, um lugar de beleza e paz.

 





PARA REFERENCIAR ESTE ARTIGO:

NOGUEIRA, Vyctor. O Cemitério São Judas Tadeu e sua riqueza histórica: uma descoberta do Passado de Santo Antônio/RN através dos túmulos. SALTO DA ONÇA: Memória e Patrimônio. 19 jun. 2023. Santo Antônio/RN. Disponível em: https://saltodaoncamemoriaepatrimonio.blogspot.com/2023/06/o-cemiterio-sao-judas-tadeu-e-sua.html Acesso em: dd mes. ano.  



REFERÊNCIAS:

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CABRAL, Ierecê Duarte. O repouso póstumo do natalense no Cemitério do Alecrim. Natal, RN: Imagem Gráfica, 2006.

CANDAU, Joël. Memória e identidade. Trad. Maria Leticia Ferreira. São Paulo: Contexto, 2011.

CARRASCO, Gessonia Leite de Andrade e NAPPI, Sérgio Castello Branco. Cemitérios como fonte de pesquisa, de educação patrimonial e de turismo. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST Museologia e Patrimônio, v. 2 n. 2 – Jul./Dez. 2009. Disponível em: http://revistamuseologiaepatrimonio.mast.br/index.php/ppgpmus/article/view/60. Acesso em: 18 jun. 2023.

CARVALHO, Luiza Fabiana Neitzke de. Os Cemitérios como Índice de Modernidade Urbana. Habitus, Goiânia, v. 10, n. 1, p. 39 – 51, Jul./Dez. 2012.

CASTRO, Elisiana Trilha. Aqui também jaz um patrimônio: identidade, memória e preservação patrimonial a partir do tombamento de um cemitério (o caso do Cemitério do Imigrante de Joinville/SC. 1962 – 2008). 210 f. Dissertação (Mestrado), Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, PGAU-CIDADE, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008.

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